Análise do Acórdão 0753/11, 21.09.2011, STA - Ana Luísa Santos
A boa-fé é um princípio que se encontra subjacente à administração pública, tendo quer no direito público quer no direito privado a sua positivação, tendo sido "importado" deste último para a administração pública. O mesmo encontra previsão constitucional no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.
A relação entre a administração pública e os particulares e vice-versa, está adstrita ao princípio da boa-fé, na medida em que é necessária a proteção dos particulares face à administração.
É importante, agora, entender o caso em apreço. Está em causa um recurso interposto pela Fazenda Pública, face à decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contra um ato de compensação efetuado pela Administração Fiscal do reembolso/crédito do IVA no valor de 12.680,17 €. A decisão mencionada anulou o referido ato de compensação por entender ter sido violado o princípio da boa-fé.
Por um lado, vem o Recorrente alegar a legalidade do ato de compensação, com base no artigo 89º do Código de Procedimento e de Processo Tributário conjugado com o artigo 169º do mesmo código, afirmando que a Administração Tributária se encontrava legalmente obrigada a proceder à compensação, uma vez que a dívida não estava garantida, devido à caducidade da garantia anteriormente prestada. Rejeita, ainda, a existência de violação do princípio da boa-fé ou do princípio da confiança, sustentando que o contribuinte estava ciente da caducidade da garantia e que o mesmo teve oportunidade de prestar uma nova, após a interposição de impugnação judicial.
A Recorrida não contra-alegou, mas, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto acolheu a sua pretensão com base em diversos fundamentos. Contrariamente ao supramencionado, considera que, de facto, verifica-se a violação do princípio da boa-fé, ao não notificar o contribuinte para que pudesse prestar nova garantia antes de efetuar a compensação, o que criara uma quebra de confiança e, por conseguinte, uma situação inesperada e injusta.
Face ao exposto, é importante enunciar no que se baseia o princípio da boa-fé e o princípio da confiança.
Existem dois princípios concretizadores da boa-fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente (exige que a Administração atue em vista dos objetivos substanciais da sua intervenção e não apenas os aspetos formais) e o princípio da tutela da confiança ( visa proteger os particulares contra alterações inesperadas e injustificadas da conduta da Administração, desde que exista uma expectativa legítima, ou seja, um investimento de confiança e uma frustração da mesma por via de uma atuação contraditória ou arbitrária.
O tribunal entendeu que, para se verificar uma violação da tutela da confiança, é necessária a existência de cinco elementos: uma atuação da administração que gere uma expectativa; uma confiança justificada na manutenção de determinada conduta; um investimento de confiança baseado nessa atuação; um nexo de causalidade entre a atuação e a confiança criada; a frustração dessa confiança.
Ora, nenhum destes elementos foi considerado suficientemente demonstrado nos autos. A simples convicção da contribuinte de que seria notificada não foi considerada uma confiança juridicamente protegida, uma vez que não houve qualquer atuação da AT que criasse essa expectativa. A caducidade da garantia decorreu apenas do decurso do seu prazo, sendo esta uma realidade de que a contribuinte tinha pleno conhecimento. Não existindo um ato administrativo gerador de confiança, não existe fundamento para invocar a sua tutela.
Além disso, a atuação da administração foi enquadrada no exercício de poderes vinculados, o que significa que estava estritamente obrigada à legalidade, sem margem de discricionariedade. Ainda que se possa discutir a aplicação da boa-fé ,mesmo em atos vinculados, conforme algumas doutrinas já vêm sustentando, o tribunal reiterou que não houve aqui qualquer comportamento que revelasse imprevisibilidade, incoerência ou deslealdade por parte da AT.
Em jeito de concluir, o Supremo Tribunal Administrativo deu provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a reclamação, com a consequente manutenção na ordem jurídica do ato de compensação efetuado.
Ana Luísa Santos, Nº69686, PB12