Análise do Acórdão 01223/04, 22.02.2005, STA - Ana Luísa Santos
O direito de audiência constitui um princípio estruturante sobre aquele que é o procedimento da atividade administrativa, tendo consagração constitucional, nos termos dos artigos 267º/5 e 268º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Desta forma, e tendo em conta que o direito de audiência prévia constitui um corolário dos princípios da colaboração da Administração com os particulares (art.11º/1, Código de Procedimento Administrativo- CPA) e de participação (art.12º, CPA), importa analisar no caso sub judice , se o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito, foi, de facto, concretizado.
Primeiramente, é importante entender o sucedido. O caso alude à ordenação da Câmara Municipal da Amadora (CMA) em realizar obras num imóvel, por considerar que o mesmo se encontrava em más condições de segurança. No entanto, a proprietária do imóvel, A, não foi ouvida antes da dita decisão. Neste sentido, a proprietária recorreu ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, solicitando a anulação da deliberação da Câmara Municipal, alegando a invalidade do ato por falta de audiência prévia da interessada. O Tribunal julgou procedente o vício de falta de audiência prévia, concedendo provimento ao recurso contencioso. Contudo, inconformada, a Câmara Municipal interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo.
No que concerne aos argumentos apresentados pela CMA, a mesma alegou urgência na execução das obras face ao estado degradante do imóvel, o que, nos termos do artigo 124º/1, a) do CPA, dispensaria a audiência da proprietária. Para além disso, alude à inutilidade da audiência, por considerar que nada traria de novo à decisão.
Por outro lado, a proprietária do imóvel contra-alegou que a urgência defendida pela CMA nunca teria sido demonstrada, reforçando o argumento, com o grande atraso verificado entre a data do parecer (4 de maio de 2001) e a deliberação camarária, que ordena a execução das obras (19 de dezembro de 2001). Afirma, igualmente, a utilidade da audiência, que poderia ter contribuído para a justa composição do litígio.
Face ao exposto, convém reforçar a importância da audiência dos interessados (artigos 121º-125º, CPA).
O Prof. Diogo Freitas do Amaral faz a divisão do procedimento administrativo em seis fases: a fase inicial; a fase de instrução; a fase de audiência dos interessados; a fase de preparação da decisão; a fase da decisão e, por último, a fase complementar.
A primeira fase é aquela que desencadeia o procedimento administrativo, podendo surgir de iniciativa pública ou privada, seguindo se a fase de instrução que se destina a averiguar os factos que interessem à decisão final (arts.115º a 120º, CPA). A fase da audiência dos interessados merece a nossa atenção (art.121º, CPA), uma vez que é obrigatória em todos os tipos de procedimento, tendo em conta o modelo de administração participada em que o interessado é associado ao órgão administrativo competente, na tarefa de preparar a decisão final.
O CPA admite duas formas de os interessados serem ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final- audiência escrita ou oral (art.122/1, CPA), cabendo ao órgão responsável pela direção do procedimento determinar como se processará a audiência. O diretor do procedimento goza, assim, de um poder discricionário, uma vez que a lei não determina qualquer critério de opção pela audiência escrita ou oral.
O artigo 124º/1 do CPA vem enunciar os diversos casos em que a audiência pode ser dispensada, in casu, a CMA, faz referência às alíneas a) e c) do mesmo artigo- a urgência da decisão e a inutilidade da audiência.
Por fim, importa referir que a falta de audiência prévia dos interessados, nos casos em que seja obrigatória por lei, constitui uma ilegalidade. O Prof. Diogo Freitas do Amaral, segue a jurisprudência do STA que não inclui a audiência dos particulares no catálogo de direitos fundamentais, direitos diretamente ligados à proteção da dignidade da pessoa humana, assumindo a anulabilidade como consequência (art.163º/1, CPA).
Em suma, e pelo exposto, o Supremo Tribunal Administrativo negaram o provimento ao recurso por parte da Câmara Municipal da Amadora, dando ênfase à essencialidade do direito de audiência prévia da interessada.
Ana Luísa Santos, Nº69686, PB12
