Análise ao acórdão nº 0817/07 do STA de 28 de novembro de 2007- Carolina Mendes
O presente recurso, interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, visa a reapreciação da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 23/04/2007, que indeferiu o recurso contencioso apresentado pela Recorrente contra despacho do Diretor-Geral do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE), emitido em 17/05/1995. Este despacho determinava a restituição de um montante em escudos, na sequência de um "acerto de contas do financiamento para a realização de uma ação de formação", promovida pela Recorrente.
O ato administrativo em causa consistiu na redução do custo constante do pedido de pagamento de saldo relativo a essa ação de formação, abrangida pelo Pedido 2 do PO 10 (904001P1), o que implicou a imposição de uma nova estrutura de custos e, consequentemente, a devolução de verbas.
Entre os fundamentos apresentados pela Recorrente, destaca-se a alegada falta de fundamentação do ato administrativo, com violação do então artigo 125.º do CPA (hoje artigo 153.º). Alega que houve erro na apreciação dos pressupostos técnicos da ação de formação, nomeadamente ao confundir o nível de acesso com o de saída da formação, e que a auditoria, utilizada como base da fundamentação, não continha os elementos essenciais à conclusão. Acrescenta que a fundamentação é obscura e contraditória, o que a tornaria equivalente à sua inexistência. Por conseguinte, entende que a sentença do TAF de Sintra violou o direito aplicável.
Outro ponto invocado é a violação do princípio da imparcialidade, prevista no artigo 44.º, n.º 1, alínea d), do CPA (atualmente artigo 69.º). A Recorrente sustenta que a mesma entidade auditora interveio duas vezes no procedimento como perito, o que comprometeria a isenção da Administração e configuraria vício de violação de lei. Alega ainda omissão do tribunal quanto à devida apreciação deste ponto, violando o dever de pronúncia.
Para melhor compreender a controvérsia, importa recordar a estrutura do ato administrativo, que segundo o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, inclui elementos subjetivos, formais, objetivos e funcionais. A forma e as formalidades (arts. 150.º e 151.º do CPA) são essenciais à validade do ato, e o dever de fundamentação (art. 152.º) impõe-se sempre que o ato imponha encargos, como sucede neste caso. A jurisprudência tem entendido que a fundamentação deve ser suficiente para permitir ao destinatário compreender os motivos da decisão e exercer os meios de reação adequados.
Embora a Recorrente alegue insuficiência da fundamentação, o Tribunal considerou que esta se apresenta suficiente, clara e coerente, contendo os fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão. Entendeu que não se trata de uma omissão, mas sim de uma discordância da Recorrente com os fundamentos adotados, o que não configura, por si só, vício de forma.
Quanto à imparcialidade, o Tribunal reconhece que esta é um princípio essencial da atuação administrativa (art. 9.º do CPA), com dimensões positiva (ponderação de interesses) e negativa (impedimentos e suspeitas). No entanto, entendeu que a atuação da entidade auditora — não sendo órgão da Administração — não configura impedimento. A sua intervenção foi legítima, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 37/91, que permite ao DAFSE recorrer a entidades externas para controlo de ações financiadas.
Além disso, o Tribunal concluiu que a decisão final foi assumida pelos serviços do DAFSE, com base nos pareceres da auditora, e que houve uma análise posterior por parte da Administração. Assim, mesmo com duas intervenções da mesma entidade, não se demonstrou quebra da imparcialidade, uma vez que a auditoria foi devidamente validada por instância distinta e competente, assegurando a legalidade e isenção do procedimento.
Em conclusão, o Supremo Tribunal considerou que a fundamentação do ato é juridicamente adequada, e que não se verificou violação do princípio da imparcialidade, mantendo a validade da decisão administrativa impugnada
Bibliografia:
DO AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo Vol .I, 4º Edição. Almedina, 2015.
REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral, Introdução e princípios fundamentais, Tomo I. Dom Quixote.