2º Comentário ao Acórdão de 06 de junho de 2004, processo nº 0202/23.1BALSB do STA - Rodrigo Melo da Silva

24-05-2025

Desta análise surge a densificação teórica do Dever de Fundamentação, tal como a sua concretização num caso julgado pelo STA.



I - Introdução

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06 de junho de 2024 (processo 0202/23.1BALSB), já foi alvo de análise, e a matéria de base refere-se à impugnação de uma decisão do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), relativa à classificação de desempenho de uma magistrada do Ministério Público. Porém, nesta nova análise, o foco recai sobre o problema da alegada violação do dever de fundamentação da decisão, um dos vícios apontados pela Autora.

O Supremo Tribunal Administrativo reconheceu que estavam preenchidos os requisitos processuais necessários para o exame do mérito da causa. Em seguida, declarou-se competente para analisar o litígio, tendo em conta que os atos contestados foram praticados pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). Além disso, reconheceu a personalidade e a capacidade processual das partes envolvidas, assim como a sua legitimidade e representação em juízo, sem que se tivesse identificado qualquer nulidade processual que impedisse a apreciação do mérito da questão.

II - Fundamentação de Facto

Revisitando os factos, a magistrada impugnante contestou a classificação de "suficiente" atribuída ao seu desempenho no período de 1 de setembro de 2017 a 16 de março de 2022, como resultado de uma avaliação realizada pela Inspeção do Ministério Público. A Autora alega que a decisão não foi devidamente fundamentada, considerando-a insuficiente, e argumenta que o seu desempenho deveria ter sido classificado com "Bom com Distinção", tendo em conta o trabalho desenvolvido, especialmente em sede de jurisdição criminal.

Por outro lado, a Inspeção manteve a sua posição de que o desempenho da Autora foi, no geral, satisfatório, com algumas regressões em relação a avaliações anteriores. Essa classificação foi, posteriormente, ratificada pelo CSMP, o qual atribuiu a nota de "Suficiente".

Assim, a questão que se coloca no âmbito desta análise é a de saber se a decisão do CSMP respeitou o dever de fundamentação. Este será o ponto central da discussão, desenvolvido à luz do entendimento doutrinal sobre o dever de fundamentação das decisões administrativas.

III - Fundamentação de direito

Reforça-se que a função de impugnação, diz-nos Vieira de Andrade, é a do controlo da invalidade dos atos administrativos. (1)

No que concerne à alegada insuficiência da fundamentação da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), levantada pela Autora, o acórdão impugnado apresenta uma análise detalhada sobre a adequação da fundamentação da decisão. 

A Autora alega que a deliberação é "contraditória e obscura", afirmando que não é perceptível para um destinatário comum as razões pelas quais a sua prestação funcional foi avaliada de forma distinta pelos membros do CSMP, considerando ainda que a fundamentação seria "insuficiente". Alega, em particular, que a ausência de uma avaliação unânime entre os membros do Plenário comprometeria a clareza e coerência da decisão.

A fundamentação da decisão administrativa, de acordo com as lições de João Caupers (2), pressupõe a indicação das razões que conduziriam à sua tomada, e é indispensável para se controlar a legalidade destas decisões, sobretudo, o que nos interessa, quando é tomada com um certo grau de discricionariedade.

Tanto o art. 268º, n.º3, da CRP, como os arts. 152º a 154º do CPA exigem para a maioria dos casos esta fundamentação, o que facilita o apuramento de vários vícios da decisão, como o desvio de poder, a ofensa aos princípios constitucionais e as situações de erro de facto e de erro de direito (3).

A obrigação de fundamentar pretende assegurar que o destinatário da decisão seja informado das razões que levaram à decisão, e o seu formalismo tem como propósito garantir que a tomada de decisão administrativa é correta e adequadamente exteriorizada.

O Professor Freitas do Amaral (4) aponta estas razões de ser do dever de fundamentação de forma clara: a defesa do particular; o controlo da administração; a pacificação das relações entre a administração e os particulares; e a clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão. Estas funções vão ao encontro das apontadas por Rui Machete.

Os requisitos da fundamentação estão elencados no art. 153º do CPA, tendo esta que ser expressa, sucinta, ainda que referindo os fundamentos de facto e de direito, e, por fim, clara, coerente e completa. (5)

Neste sentido, uma fundamentação clara implica que a decisão seja compreensível para o destinatário, ou seja, deve ser explicada de forma acessível e sem ambiguidade. A fundamentação coerente refere-se à harmonia lógica entre os fundamentos apresentados, devendo estes estar em conformidade com a decisão final. Já a fundamentação completa exige que todos os elementos relevantes para a decisão sejam expostos, possibilitando uma análise completa e transparente do processo de decisão.

No entanto, O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a fundamentação não precisa ser excessivamente detalhada ou extensa. A fundamentação não precisa de ser "quilométrica", mas sim suficiente para que o destinatário da decisão compreenda os elementos e razões que levaram à decisão tomada.

Esta posição foi aplicada ao caso em análise, em que a Autora alegou que a fundamentação da decisão do CSMP era "contraditória" e "obscura", não permitindo uma compreensão clara da razão pela qual a sua prestação funcional foi classificada como "Suficiente". A Autora questionou ainda a validade da fundamentação, alegando que a falta de unanimidade no órgão colegial comprometeria a clareza da decisão.

IV - Decisão

O Supremo Tribunal Administrativo refutou estas alegações, entendendo que a existência de votos divergentes dentro de um órgão colegial composto por 16 membros é algo absolutamente normal no contexto das avaliações de desempenho, especialmente quando se tratam de juízos subjetivos, baseados em conceitos indeterminados, como é o caso da avaliação de prestação funcional dos magistrados.

De acordo com a jurisprudência consolidada do STA, o juízo adotado nestes contextos é de natureza complexa e global, e os critérios utilizados não são sempre passíveis de atribuição de um padrão objetivo de comportamento. Assim, a divergência de opiniões entre os membros do CSMP não invalida a validade ou a fundamentação da deliberação tomada, uma vez que a decisão reflete, de forma clara, a análise da maioria, ainda que haja votos vencidos.

Ademais, a alegação de que a Autora não teria sido previamente informada sobre as regras de avaliação foi igualmente refutada pelo Tribunal, tendo sido este ponto já analisado e julgado em processos anteriores. O Tribunal reafirma que não há exigência de que cada critério de avaliação seja considerado separadamente, nem que se forneça uma explicitação de cada nota atribuída de forma isolada.

A avaliação da prestação funcional dos magistrados do Ministério Público, tal como estabelecido na jurisprudência do STA, não exige uma ponderação individualizada de cada parâmetro, mas sim uma análise global, que toma em consideração todos os aspetos relevantes da atuação do avaliado.

Conclui-se, portanto, que a alegação de insuficiência na fundamentação da deliberação do CSMP não tem mérito, uma vez que a fundamentação foi adequada e suficiente para sustentar a decisão tomada, conforme os pressupostos legais e jurisprudenciais aplicáveis, não havendo violação dos direitos da Autora neste sentido.


Bibliografia

[1] J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, coimbra, 10ª ed., 2009, p. 209.
[2] João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 10º ed., Âncora editora, Lisboa, 2009, p. 97.
[3] João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 10º ed., Âncora editora, Lisboa, 2009, p. 98.
[4] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, 4º ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 322.
[5] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, 4º ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 325.
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